Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Chuva

Veio a chuva e encharcou a terra,

 retocou o tempo.

Nem se pode dar graças,


quando tudo, em gotas finais,

espantou a aridez do pensamento,

dos torrões ainda mornos,

dos pardos arbustos,

recompondo o dia ainda claro.








Agora as imagens já eram límpidas,

em alegria de cores nítidas.

Então veio grossa a enxurrada,

varrendo as grotas e a melancolia.

Parecia uma vida desenhada, a ser terminada.

Inúmeras cores teciam horizontes, 

de toda a calma do sertão.

A água alimentou raízes, 

orações e ribeirões.

Flores e amores.

Devolvendo a fartura,

de todas as veredas,


em lágrimas de alegria.




Texto e imagem: Cláudio J Gontijo/Norte de Minas

sábado, 5 de outubro de 2013

As Cigarras

É na primavera que o canto da cigarra chega a incomodar os ouvidos menos tolerantes. Mas há quem aprecie o som emitido simultaneamente por milhares e milhares destes exemplares. Uma sinfonia estridente e de longo alcance. Os machos produzem os sons a partir de membranas que possuem no próprio abdome. Existem duas razões básicas para este canto. Um delas é uma forma que estes machos possuem para atrair a fêmea no processo de acasalamento. Outra é, acreditem, uma maneira de confundir pássaros predadores (impedindo a sua comunicação) em meio ao barulho desnorteante. 


Reprodução

Após o acasalamento a fêmea deposita inúmeros ovos em folhas e troncos de árvores. Ela pode expelir em média 500 a 600 ovos. Os ovos eclodem e sofrem uma metamorfose transformando-se em ninfas. Estes insetos, ainda muito jovens, caem ao solo e o penetram. No seu interior, através de um minúsculo aparelho bucal sugador, alimentam-se da seiva vegetal contida nas raízes das plantas. Existem mais de 1000 espécies destes seres vivos, que permanecerão entre um e... dezessete anos no interior da terra. Quando o tempo de evolução é concluído eles deixam simultaneamente o solo e passam por um processo chamado ecdise, deixando o seu exoesqueleto (carapaça externa) e atingindo a fase adulta, a maturidade sexual. 


Ovos de cigarra presos à vegetação. Imagem: Dreamstime.com

A carapaça  é um esqueleto externo denominado exúvia. Imagem: infoescola






O Inseto adulto viverá, dependendo da espécie, um período variável de uma a três semanas. Realizado o acasalamento, macho e fêmea morrem. Os ovos darão origem às ninfas que penetrarão novamente o solo, reiniciando o ciclo.





A forma adulta. Seus apêndices (patas) possuem "ganchos" que se prendem nos troncos. Imagem web






O canto da cigarra, que pode atingir vários decibéis de volume sonoro,  não incomoda o seu emissor. No corpo do inseto existe um par de membranas (parecidas com tímpanos) que se fecham durante o som estridente. 

A espécie denominada Carineta fasciculata é muito comum no Brasil. Seu ciclo evolutivo no interior do solo dura entre um e dois anos. Estas cigarras podem agir como pragas atacando plantações agrícolas, sugando a seiva destas plantas e reduzindo a produção. Sem os predadores naturais da cigarra (várias espécies de pássaros) o controle das populações fica difícil e pode ser necessário a aplicação de inseticidas.






terça-feira, 1 de outubro de 2013

Pássaros-Pretos

Um a um eles vão chegando. Na dianteira um deles já pousou, desconfiado, para verificar qualquer perigo que ameasse o grupo. Com pouco tempo o chão está cheio deles, caminhando depressa, batendo as asas, como se quisessem disputar os grânulos de arroz triturado. Possuem as penas, o bico, pernas, todos negros. São os inteligentes Pássaros-pretos (Gnorimopsar chopi). 




Os Pássaros-pretos pousados no chão alimentando-se  dos grãos de arroz. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG




Estes pássaros são sociáveis. Observei que, depois de algum tempo na propriedade à margem do rio, eles pareciam reconhecer a minha voz. Aproximavam-se com seu belo canto e, dependendo da época do ano, sempre vinham  para se alimentarem dos grãos que eu espalhava próximos à porteira.

A espécie atinge a maturidade com 18 meses de vida. Durante três vezes ao ano partem para o processo de reprodução. Constroem seus ninhos em buracos no barranco, em locais ocos nos troncos de árvores mais altas, nas palmeiras e, ocasionalmente, podem utilizar a casa do João-de-barro. São depositados de dois a quatro ovos. Em duas semanas os ovos rompem a casca e, após mais 20 dias, os filhotes deixam o ninho podendo voar.





Um pequeno grupo à margem do Rio das Velhas. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





A alimentação deste pássaros é variada, onívora. Insetos, larvas, frutas, sementes. Os buritizais são regiões de grande trânsito da espécie. Alem de utilizar as copas destes vegetais para reprodução, eles apreciam o seu coco como alimento. Os campos, cerrados, matas ciliares de menos densidade são os outros locais de seu habitat.


Estas aves podem ser criadas em cativeiro, mas somente com o registro e autorização do IBAMA para a procriação em locais onde ocorre manejo adequado. A comercialização de espécies silvestres constitui crime ambiental. Quando criados em cativeiro podem reconhecer facilmente o ocupantes da casa. Ainda é comum encontrá-los sendo criados como animais de estimação. Geralmente, assim como os papagaios, são retirados ainda filhotes dos seus ninhos, na natureza. São visados também devido ao seu canto melodioso. É importante salientar que a criação de animais silvestres, capturados no ambiente selvagem, não é um bem que se faz a estes seres vivos. Longe do seu habitat, recebendo alimentação inadequada, eles passam por períodos de estresse e, com isso, seu tempo de vida pode ser reduzido à metade.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Véu Negro




Quando o véu negro cai sobre o nosso olhar,
e nem sabemos,
se vamos experimentar a chuva,
ou ter a grama sob nossos pés,
ou se poderemos continuar,
iremos rir de nós mesmos,
da jornada confusa,
difusa,
quando parecemos pequeninos,
meninos,
no meio do caminho.









E então,
saberemos da sede,
que nem notamos,
e que carregamos,
quando vivemos,
abraçamos,
tocamos.

Respiramos.
Ávidos,
na busca que construímos,
sem bússola

sem fim,
pela  vasta,
bela,

existência,
assim.







Texto e imagens: Cláudio J Gontijo

sábado, 21 de setembro de 2013

Alma-de-Gato

O nome estranho pode ser uma alusão ao seu canto, semelhante ao gemido de um gato, ou ao fato de se locomover entre árvores de folhagem densa sem ser notado. A tarefa não deve ser das mais fáceis devido à sua cauda longa, difícil de não ser notada quando avistamos este pássaro na mata. 




A longa cauda da Alma-de-gato. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





De plumagem com uma cor amarronzada, ferrugem, o que a Alma-de-gato (Piaya Cayana) procura são os insetos, seu alimento predileto. Mas eventualmente esta ave invade ninhos para devorar ovos e alimenta-se de pequenos anfíbios, frutas.





Não é comum observar esta espécie pousada no chão. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





A fêmea e o macho irão se revesar no cuidado com os filhotes. Em média, seis ovos serão depositados no ninho. Em duas semanas os filhotes saem dos ovos e ficarão mais 20 dias sob os cuidados do casal, até poderem voar.

O habitat desta espécie são as matas ciliares e capoeiras, principalmente. Ocorrem em quase toda a America Latina; nas regiões sul e sudeste do Brasil, com mais frequência. A destruição da Mata Atlântica afetou as suas populações.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Velhas e a sua Velha História

Eu conheci o norte de Minas há 34 anos atrás. Vim com um tio e tive, então, o primeiro contato com o Rio das Velhas. Não desejo narrar em detalhes tudo o que presenciei naquele tempo, nos anos que se seguiram, na década de 80. Posso dizer que eram tempos de fartura às margens do rio. A luz do lampião, os pássaros noturnos, as águas barrentas das cheias, o silêncio entrecortado pelas conversas saborosas, os moradores (poucos e sinceros) me impressionaram. Voltei muitas outras vezes, muitos daqueles se foram; encantei-me pelo sertão e pela minha esposa. Eu fiquei.




Numa manhã fria, o Velhas parece dormir em paz. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG


O inverno, o rio e a Serra do Cabral. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





Com o tempo o Velhas entrou em lenta agonia. Muitos dos barranqueiros e moradores do "Lavado" partiram, juntamente com meu pai. As águas do rio vieram trazendo mais sujeira. A luz elétrica chegou às margens, a população aumentou, os turistas aumentaram, o esgoto doméstico e industrial já não pôde mais ser diluído. As chuvas escassearam, os córregos passaram a alimentar mal o rio. 


O rio assoreado ainda insiste em estampar a sua beleza. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



Ao longo das décadas seguintes muitos peixes morreram. O Pirá, O Surubim, o Mandi Amarelo, a Corvina, o Dourado, foram descendo o rio, sem oxigênio, numa dança desesperada, para morrer nas margens presos às coivaras, na imundície e podridão funesta.

Nitrogênio, Fósforo, Enxofre, dos esgotos, dos fertilizantes agrícolas, provocam, hoje, uma crescente eutrofização. A palavra esquisita indica que há na água grande quantidade de matéria orgânica. O ambiente se altera drasticamente. Com o excesso de nutrientes as algas proliferam em grande velocidade. A água verde, impede que a luz solar chegue aos outros organismos fotossintetizantes, sem a fotossíntese não há reposição do oxigênio consumido pelas bactérias, que também se multiplicam de forma alucinada. Com a alteração do ecossistema, muitas espécies somem da cadeia alimentar e todos os outros seres vivos dependentes desta teia ficam com suas populações reduzidas até desaparecerem também.

As maiores cidades poluidoras do Velhas, localizadas na Grande BH, construíram duas ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) de relativa eficiência; a Estação do Onça e Estação de Sabará, capazes de tratar a maior parte dos detritos do Ribeirão Arrudas e Onça, os campeões da poluição. Mas as inúmeras cidades localizadas na calha do rio ainda estão com os projetos de edificação destas estações em atraso.




O verde das algas denuncia a eutrofização. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG




Fugi de um texto de caráter científico, puramente. Porque embora a realidade só possa ser esmiuçada através de descrições químicas e biológicas, eu gostaria de deixar a esperança. De que o rio possa sobreviver. De que as Estações de Tratamento de Esgoto proliferem, assim como as algas vieram, nas cidades ribeirinhas. De que as escolas ensinem cada vez mais, promovendo a educação ambiental. De que, no futuro, o Velhas seja profundamente respeitado. De que a vida volte a pulsar em seu leito.

As águas não estão muito favoráveis ao peixe, mas a Garça-branca, intuitivamente, passeia na pequena praia. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



sábado, 14 de setembro de 2013

João-de-Barro

Quando se nota um pássaro de penas pardas batendo freneticamente as suas asas e emitindo um canto estridente, caminhando pelo chão, logo é possível reconhecer a figura simpática do João-de-barro (Furnarius rufus). Ele caminha à procura de larvas, insetos e sementes, seus alimentos prediletos. Não se acanha em aproximar-se das pessoas.





O João-de-barro na sua caminhada habitual. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



Um casal de João-de-barro trabalha a terra molhada, misturando-a a pequenos ramos secos, palha, que vão dar consistência ao seu ninho. Esta massa pode ser modelada pelo bico e manuseada também com os pés. A casinha é construída nos mais diversos lugares, geralmente é comum nos galhos das árvores. Macho e fêmea vão se revesar na construção deste ninho, onde serão depositados quatro ovos, em média, a cada três vezes no ano. Em duas semanas os ovos eclodem e os filhotes serão capazes de voar em 20 a 30 dias.


Revesamento do casal em torno do ninho. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG

O casal de João-de-barro. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





Este pássaro não possui o hábito de reutilizar seu ninho. A cado período reprodutivo uma nova empreitada é executada. As moradas antigas vão sendo usadas por outras espécies de pássaros e até mesmo lagartos ou pequenas cobras. Outro detalhe interessante sobre a casinha é que ela possui dois "cômodos" distintos; a entrada e um outro mais ao fundo onde são depositados os ovos. A entrada é construída de forma estratégica, contrária à posição das rajadas de vento mais comuns na região.


O João-de-barro habita as regiões sul, sudeste e centro-oeste, e outros países como a Argentina, Bolívia, Paraguai. Prefere os campos de árvores esparsas e o cerrado.






terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Caminho

Estou voltando prá casa.

Talvez tenha andado pouco,

mas os rastros não são ilusórios.

Volto como quem retorna;

sem máscaras,

sem luvas,

sem métodos.


Lavadeira-Mascarada





Não calculei a jornada,

e se sinto dores, rancores,

não vou deixar o caminho.

Ao mover-me faço escolhas,

abdico sem diminuir o ritmo.


Maritaca



Preciso avisar que,

as tarefas que experimentei,

não tornaram rudes os meus passos.

Pouco me importa,

se já cheguei a perder a razão,

pois sei que modifiquei muitas trilhas.




Bem-te-vi




Estou de volta,

e sou o que sou.

Estou rumando prá onde posso ficar,

onde continuo a me libertar.

Estou a um passo de lá.











Texto e imagens: Cláudio J Gontijo
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