Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Histórias do sertão 3:Maria

Com a despensa vazia,
Maria desceu a ladeira; correndo, gritando.
Tinha as sandálias empoeiradas e as unhas tortas.
A fé compunha os olhos úmidos .
Erguia as mãos e agradecia.
O Padre a ouviu e ela foi com Deus.
Desencorajada, ignorada, simplória.
Não pôde encontrar quem a olhasse de frente.
E como não conhecia as letras na folha branca,
teve a notícia, não se sabe como.









 Maria era só louvor.
Agora não tinha fome, só gratidão.
Esqueceu os gemidos daquela única companheira,
as suas tristezas no câncer, em um leito do quarto público.
Ela a tinha de volta, e curada; em milagre, corpo e alma.
Carregava nos pensamentos a imagem turva de todos os santos,
e os joelhos dormentes.
Maria das promessas,
Maria das novenas,
Maria das dores,
Maria das súplicas,
Maria de ninguém,
Maria sem registro,
Maria de nada.
Maria de Deus.







Esta que conheci, morava em uma rua da minha infância. Ao contrário do texto, Maria não agradeceu por sua companheira, ela própria morreu de câncer. Vivia em um certo abandono, tinha muita fé, falava muito alto e portava uma alegria impregnada na alma. Dedico este texto a esta que conheci. Nunca mais a verei, mas não vou esquecê-la.
O nome é fictício.

Imagem e texto: Cláudio J Gontijo