Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Rastros

 






Em uma mesma estrada,

estrada de terra, 

terra arenosa, no ermo do cerrado, onde não se ouve nenhuma conversa que seja,

os rastros vão minguando.

Os rastros são mesmo dos companheiros, de conhecidos,  benquistos, de muitos até mal vistos.

E o caminho já está fundo, cortado como é,  pela lâmina das máquinas,

lâminas  que escavam também os dias.

Mas é que tudo se comunica, se enrosca, como num novelo,

onde não se enxerga o início,

nem o fim.

Assim se entende, como se vai mesmo entender,

que qualquer daqueles que vão conosco pelos caminhos pisados, de poeira,

andam junto da gente por muitas das nossas precisões,

para o clarear das ideias.

Andam junto da vida, qualquer tipo de vida.

E quando damos falta, a lida de um dia parece que nem termina, 

e tudo vai ficando como que por ser arrematado.

É que vamos esquecendo que o arremate só termina com um palpite, pouca prosa que seja.

E assim o cortado da foice  não é de todo cortado,

o conselho não vem como vinha, diante do suor e cansaço.

As mãos já pouco se movimentam, os acenos vão ficando nos cantos, nos cantos dos trilhos, das enxurradas.

E aí já nem rompem mais o silêncio medonho, o medonho da solidão.

E quando mesmo a claridade vai sumindo, os rastros somem primeiro.

E a lida vai ficando sentida.

Mal vivida.

Não aumenta de pronto a saudade.

Aumenta aos pingos, nas pontas dos ramos,

no breu da noite,

no apontar do sol.

É assim que muitos devem sentir a falta dos que se vão,

talvez o gosto que fica no estalar da língua.

E quando os dias vão correndo,

quando o tempo vai escorrendo,

vai brotando mais e mais a vontade,

de ver a figura de qualquer destes conhecidos, 

lá bem no meio da esperança que ainda se alcança,

no cabo da enxada,

lá no alto da estrada.