Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

sábado, 7 de setembro de 2013

Histórias do Sertão 1: Tonho

Eu o conheci há muitos anos atrás. Na ocasião acalentava o sonho de possuir morada, simples que fosse, às margens do rio. Grande parte daquelas terras eram isoladas, sem energia elétrica ou estradas que facilitassem o acesso; mas os proprietários não eram simpáticos quando o assunto beirava a compra de qualquer parte delas. Dificultava o fato de eu não dispor da quantia suficiente para os negócios.

Acabei adquirindo um minúsculo lote de terras. O dinheiro só foi suficiente para um terreno acidentado, ainda assim fiquei satisfeito. Mesmo ciente da impossibilidade de qualquer construção que fosse naquele barranco, muito próximo do Rio. Foi quando tive a primeira prosa com o Tonho; um mulato de cabelo brancos, olhar firme, curioso, sorriso tímido, mas sincero.





Do outro lado do Rio a serra e a árvore. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





Aquele pequeno naco de terras estava encravado na sua propriedade, embora já não fosse mais dele. E aí, quando o assunto pendeu para a edificação, ele se prontificou e me cedeu, de seu terreno, espaço suficiente para que atingíssemos um platô, pronto para um bom alicerce. Ali iniciava uma amizade das boas. E muitas combinações, trocas, barganhas. De maneira que ao longo de alguns anos a chácara se alargou e nossa amizade também. Uma das alegrias era quando me chamava da cerca para tratar de qualquer outro conchavo. Era seu costume passar pelo fios de arame e espalhar a sua boa presença. Nunca executamos qualquer acordo que pendesse, na balança, para um ou outro; sempre deixamos tudo com vantagens para todos os lados.





A casa construída em um platô, um dia cedido pelo Tonho. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG






Um dia ocorreu o que não estava combinado. Um momento ruim, onde o cansaço produziu a discórdia e fui impaciente.  Naquele tempo eu percorria mais de 200 quilômetros da cidade grande até a margem do rio. Não pude compreendê-lo, não me veio a tolerância ao seus hábitos, métodos e simplicidade. Ele seguiu para sua casinha alguns metros margem a cima e não retornou. Embora eu tenha tido inspiração para a retratação ligeira, a distância se formou e, no sertão, certas diferenças não se aparam com facilidade.

O anos foram se passando e o Tonho ficou mais fragilizado. A idade e o tempo que ele transpôs como trabalhador braçal, as agruras, o seu coração, o deixaram com a disposição diminuída. O sorriso ficou mais escasso e eu já não o via próximo ao rio. Passou a perambular por mais tempo na pequena cidade, onde tem casa e filhos. Seus planejamentos também foram se alterando. Vendeu uma parte da terra, reformou a casa da cidade. Colocou porta larga, de ferro, pintou com boa tinta, mandou que colocassem bons pisos, azulejos, comprou uma poltrona nova.

Com mais uma gleba de terra vendida (não sobrou muito) ele adquiriu um automóvel novo, artigo de luxo. Seu porto para o rio diminuiu, e ele quase já não visita o que sobrou da propriedade. Não tive outra oportunidade de falar sobre cercas, árvores, peixes, hortas, abelhas, cobras, ou de poder demonstrar o meu respeito e admiração, crescidos, fortificados. Só pude ouvir, recentemente, que o seu desejo é vender tudo o que restou da margem do rio. Felizmente ainda posso cumprimentá-lo nas ruas da pequena cidade. Sua expressão não é a mesma, mas a alegria e a fé continuam intactos.

Há alguns dias avistei uma árvore bem no topo da serra, talvez um Angico Branco ou uma Sucupira. Sua imagem é imponente vista da margem oposta do rio, mesmo à grande distância. Lembrei-me de que um dia ele a apontou em nossas conversas. Lembrei-me de que, ali, já falamos de muitas coisas. De quase tudo.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Tatu e a Caça

Durante a minha infância e ao longo dos anos já ouvi muitas conversas, combinações, realizadas entre caçadores, no preparo para as excursões noturnas objetivando a captura de tatus. Gaiolas construídas por grossos arames e enxadões eram os utensílios básicos para a empreitada, sem esquecer os pequenos e espertos cães "especializados", para a caça. Os cães cuidavam de localizar a presa que penetrava rapidamente em buracos. As gaiolas, então, eram colocadas na entrada da toca para interceptar a saída dos bichinhos, que eram induzidos pelos golpes do enxadão na terra e latidos, a deixarem o local de sua proteção.




Animais silvestres apreendidos. Ao centro uma gaiola utilizada na caça aos tatus. Imagem web/Polícia Militar-MG




Há poucos anos atrás, ouvi outro relato. Caçadores mais espertos utilizavam-se de um recurso mais eficiente. Munidos de uma pequena lata (destas que armazenam leite em pó) contendo em seu interior uma isca, iguaria apreciada pelo tatu, espalhavam estes apetrechos por vários pontos do cerrado, dos campos de cultivo e margens de matas. Locais habitados pelo mamífero. Seu focinho ficava preso à armadilha e ao amanhecer do dia eram encontrados já quase mortos, prontos para serem preparados e devorados em uma receita qualquer recheada de temperos.




Um filhote de Tatu peba. Imagem: Cláudio J Gontijo/Norte de Minas




Destas formas variadas estas espécies foram sendo dizimadas, aliadas à destruição do cerrado, seu principal habitat. O fato é que atualmente eles sumiram de muitas regiões. Suas tocas características de aproximadamente dois metros de profundidade já não são vistas com tanta frequência.


O Tatu peba

Todas as espécies são originárias das Américas. A espécie mais comum encontrada no sertão do norte de Minas é o Tatu peba (Euphractus sexcintus). Ele possui uma alimentação herbívora e carnívora, ao mesmo tempo. Dizemos então que é um ser onívoro, devorando insetos, raízes, grãos, restos de animais mortos. Diz a lenda que faz excursões aos cemitérios para se alimentar de cadáveres. Apresenta hábitos noturnos e sempre locomove-se solitário. Em reprodução o período de gestação da fêmea dura cerca de dois meses. Os filhotes recebem os cuidados da mãe por poucos dias e vão atingir a maturidade aos nove meses. Eles podem sobreviver por quase duas décadas fora do cativeiro. É necessário salientar o importante papel dos tatus no ecossistema em relação ao controle das populações de insetos e também como dispersores de sementes.



Proibições

A caça aos Tatus é proibida pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e fiscalizada diretamente pelo Polícia Ambiental. A apreensão de exemplares junto a caçadores é passível de penas de reclusão que variam de seis meses a um ano de detenção e multas que podem chegar a  R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por unidade apreendida. As denuncias podem ser feitas no telefone 0800618080 (linha verde/IBAMA).