Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Em casa

 








A vida se decide mesmo é nas horas mornas da manhã.

Nove horas de uma manhã comum, 

onde ninguém passa.

A mulher varre o passeio,

seu semblante é o mesmo.

Expressa um olhar que se perde, sem ânimo.

Suspira ao longo do tempo, 

o tempo que já foi urgente.

E, aos poucos, as sombras se movimentam,

e tudo vai se moldando.

Não muda de repente, mas ao longo das horas.

E, lá dentro, o som do rádio mostra falas baixas, distantes.

Ninguem notou.

Mas por aqueles instantes que já  iam embora, 

antes do fogo ser aceso,

antes do que foi recolhido no varal,

do aceno guardado, 

da solidão voraz,

foi então se assentando um novo tempo.

Uma notícia, um alento, uma idéia.

Veio do que passou, ficou por ali,

e deixou novidade, 

no incerto do dia.

Um lampejo.

Agora, quando vier a tarde, 

quando todos voltarem,

o vestido já será outro.

Não mais como antes,

não antes do fim do dia,

a vida já não é a mesma.