Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Histórias do sertão 4: Juca Vaqueiro





Flores do Ingazeiro






Juca Vaqueiro nunca conseguiu nada além de assinar o próprio nome, ele apenas se  satisfazia quando era capaz de copiá-lo sem deixar letra nenhuma que fosse, esquecida, para trás. Assim como campeou cada uma das cabeças do gado ao longo de sua vida, buscou descobrir palavra por palavra. Mas houve dias em que o orvalho das manhãs frias e a boiada solta, não permitiram que ele pudesse esquentar o assento do banco na pequena escola. 


Atento e firme na palavra empenhada, sem fugir de qualquer tipo de empreitada, no cabo da enxada ou na cela de uma mula, como era do seu gosto, ele foi tocando a vida. Desconfiava de tudo muito claro e facilitado, evitava atalhos muito curtos, e Estranhos que falassem em demasia. Temia as ilusões venenosas, embora não recusasse o aperitivo.


Nunca espancou por demais, nem mentiu ou prometeu aos doze filhos algo que seu braço curto não pudesse alcançar. Assim, desse jeito simples e simplório, conseguiu colocar na lida todos eles; alguns partiram para as estradas de asfalto e outros, teimosos, ficaram pelo chão batido. Mas ele se dava por realizado e sentia imensa satisfação pelo fato de todos eles, todos mesmo, poderem escrever e ler sem maiores vexames.


Aqueles que não o conheciam duvidavam de suas proezas, aqueles, da porta da sala, o respeitavam. E haviam os que o odiavam. E todos esses viram, quando puderam ver, que o tempo passou, e o Juca foi se fragilizando pelas asperezas do sertão, da velhice, das estiagens duras. Poucos desvios e boas escolhas fizeram dele um exemplo a ser retido, uma amizade rara. 


Ele viveu muitos anos e dizia que o prêmio veio de Deus.  Até que foi encontrado caído junto a um Ingazeiro, quase na margem do rio. Adiante do corpo o copo esmaltado, onde carregava o café quente; hábito antigo. Um dos amigos da cidade, vereador em muitos mandatos, pediu que o deixassem presenteá-lo com a sua última morada. Na lápide escreveu o que Juca repetia sempre:  

"Prá quem não conhece a estrada que deve de seguir, qualquer caminho serve, qualquer trilho é caminho".




2 comentários:

Celle disse...

Caro amigo Claudio, a simplicidade desta leitura combina com a do Juca Vaqueiro, que Deus o tenha. Somo é linda a humildade,ela nos encanta e faz bem!

Cláudio José Gontijo disse...

Amiga, fico feliz (como sempre) com seu comentário e também por ter enxergado o universo do Juca. Um abraço.