Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Histórias do sertão 2: Catarina Labouré

Numa parte periférica da cidade mora um casal de idosos. Já viveram muito, mais de sete décadas. Foram tempos cheios de privações, muita labuta. As mãos ficaram grosseiras e a pele curtida pelo sol. Ela teve filhos, trabalhou muito tempo numa carvoaria, e só conseguiu fazer com que um deles sobrevivesse. Não sei muito dele. Ambos perderam seus companheiros do primeiro casamento. Viúvos, conheceram-se e resolveram se unir já sexagenários. Ela vestiu-se de noiva, foi maquiada e levada até a porta da igreja por um carro. Ele vestiu terno, gravata e aparou bem o cabelo. Entraram na igreja decorada, ganharam caixas de cerveja e refrigerantes para a festa, uniram-se em novo matrimônio.

Algum tempo já se passou. Com o dinheiro curto do que recebe, ela conseguiu construir a casa onde moram. Alpendre, banheiro azulejado, quartos pequenos e dignos, uma pequena televisão de plasma, um interfone usado na entrada. Ele vendeu a casa muito simples onde morava, dividiu uma parte do pouco que arrecadou com os filhos da primeira união. É quase certo que utilizou o que sobrou para ajudar na mobília do novo lar. 








Eles estão sós nesta pequena casa. Os filhos, poucos, tomaram seu rumo. O casal é feliz. Vivem da aposentadoria do sindicato rural e agradecem pelo que conseguiram. Vivem também da sua devoção profunda aos santos e da fé fortificada.

Há alguns meses atrás Dona Maria foi atropelada enquanto voltava de uma reza. Segundo ela, pelas suas orações, não fraturou um único osso. Apenas o braço continua preso numa tipoia. As dores a incomodam. As articulações que movimentam a clavícula direita demoram para se recompor e ela tem lamentado muito. Reclama por não poder ir, como quer, à igreja. Reclama por não poder varrer, como gosta, a casa. O senhor José a ouve com atenção e respeito, seus olhos revelam compreensão. Ele mesmo tem carregado com dificuldade uma hérnia mal curada. Os exames do posto de saúde já venceram, a cirurgia do SUS não veio e, agora, novos preparatórios precisarão ser feitos.

Um dia destes Dona Maria foi até o seu quarto e me chamou. Mostrou-me a Bíblia bem arranjada e suas várias imagens. Retirou da gaveta um pequeno livro. Era a história de Catarina Labouré; a Santa francesa. Me deu de presente para que eu lesse. Ela não podia fazê-lo, por não ter aprendido. O seu companheiro possui pouca leitura, mas é ele quem lê as inúmeras orações que eles recebem pelo correio, fruto das pequenas contribuições que fazem a algumas instituições.





À Dona Chiquinha.

2 comentários:

Sandra Helena Queiróz Silva disse...

Olá Cláudio!

Parabéns! Seu blog enche os olhos de quem admira a natureza em sua plenitude e nuances diversas. Agradeço, pelo convite para vir até seu cantinho virtual e fiquei encantada.Beijos de Luz!

Cláudio José Gontijo disse...

Obrigado, Sandra, por ter vindo até o Plenitude. Desejo que a sua jornada seja, também, iluminada.