Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Enxurradas








Que a chuva não molhe só a terra,
que lave também nossas mágoas,
nossos rancores,
nossas dúvidas,
nossos pesares,
mal resolvidos,
desnutridos,
oprimidos,
expostos em rachaduras de terra seca,
e que possam agora serem esgotados em sangrias de almas nuas.
Doloridos.
Que a opressão da secura,
andarilha do sertão árido de nossos desejos,
seja agora diluída pela água abençoada,
que nos tornará menos duros e rudes,
mais desenvoltos,
menos feridos,
mais tolerantes,
menos sofridos.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Verdade





Ao longo da nossa caminhada, a verdade é o próprio caminho; mesmo quando nos confundimos e tudo parece infrutífero. O que se origina dela liga-se profundamente ao que é Sagrado e Divino. Ela é a face clara da presença de Deus em nós.

A distância do que é verdadeiro nos deixa estagnados e presos aos aspectos superficiais, voláteis, ilusórios, do que vivemos. Atitudes cruéis como a calúnia, a difamação, a intriga, nos distanciam da luz que delimita a nossa jornada.

Quando praticamos a verdade permanecemos de frente para os aspectos sagrados da Criação. Seremos acolhidos, preservados do que é sombrio e mentiroso. Seremos conduzidos para a licitude da Fé. Carregaremos conosco a verdade pelo resto dos nossos dias. Ela nos protegerá, como parte de nós, por toda a Eternidade.

De posse do que é real, temos a tarefa de buscar, arduamente, a boa vontade e a tolerância para com aqueles que nos perturbam e perambulam à procura de Deus. Fugitivos do que é verdadeiro, com suas máscaras de falsa sofisticação. Estes acabarão por encontrar a sua face legítima, como disse Érico Veríssimo: "Dia virá em que nalguma volta do teu caminho hás de encontrar Deus".






"E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". João 8:32

sábado, 27 de dezembro de 2014

Lapso








Que a luz do dia,
amorteça os temores,
alivie as nossas dores,
favoreça os bons sabores,
desfaça os rancores,
alimente novos amores.
Porque a noite é apenas um sopro,
e o amanhecer vem como um alento.
O pesar é só um lapso,
para que o riso venha como um afago,
a esperança como eterna cor.








Imagem: Cláudio Gontijo/Lassance-MG

domingo, 7 de dezembro de 2014

Histórias do Sertão 5: Dona Losina.






Junto ao amigo, voluntário experiente, abrimos o portão daquela casa simples. Havia uma certa dificuldade para abri-lo, mas ele nunca foi concertado. Continuou emperrando e está lá, assim, até hoje. 

Pela primeira vez eu avistei aquele senhora idosa, negra, com um lenço sempre atado à cabeça e saia longa, rodada. Seus gestos eram mansos e seu rosto, de traços fortes, parecia estampar sempre um sorriso decidido, mesmo quando não sorria de fato. Sua voz trêmula e irregular  alcançava nossos ouvidos como tinha de alcançar. Muitas vezes eu a julgava distante ou com momentos de pouca lucidez; mas eu estava enganado. A cada semana em que retornávamos ela perguntava por um e outro; e tinha os nomes, os fatos e a nossa surpresa. 

Meu amigo seguiu outro caminho, a trabalho, sem ter como retornar. Eu fiquei para continuar a abrir o pequeno portão, todas as quintas feiras. Quase sempre naquele mesmo horário, da mesma forma, os seus 91 anos vinham me receber. Era surpreendente vê-la equilibrar-se, de pé, durante quase toda a pequena cerimônia. Ainda que eu insistisse, ela permanecia assim, sem se acomodar. Em alguns dias, pelo cansaço, por algumas dores, eu a via escorar-se no braço da poltrona.

Com o tempo acostumei-me a contar com a sua recepção. Passei do respeito à admiração. E eu dizia a ela que sempre estaria ali. Dizia não saber quem era o beneficiado. Após a comunhão eu me sentava para uma breve conversa, pois tinha receio ou dúvida de estar importunando-a, mais do que meu amigo viajante. Lá eu tomei o melhor café, comi biscoitos, desfrutei a melhor acolhida; fui afagado e encorajado.

Os meses passaram rápido. Eu soube que o seu coração já não batia como antes. Mas somos desatentos, pensamos ter todo o tempo que queremos. Entendi o aviso médico e mesmo assim continuei abreviando os minutos das visitas, sabendo do retorno semanal. E, hoje, sinto por não ter desfrutado mais daqueles minutos. Porque às vésperas de uma viagem, antecipei o dia da visita e aquela terça feira foi o nosso último encontro. 

O dia amanheceu na manhã de novembro, tocou a música triste, saindo do alto falante da torre. De volta à pequena cidade, eu saltei da cama e tive um pressentimento estranho. E foi exatamente o nome da minha querida amiga que ouvi sair do serviço de som. E lá fui eu visitá-la. Mas ela era apenas um corpo inerte. Já não pode me oferecer as suas orações, não pode justificar a sua partida inesperada e nem me tranquilizar em meus pesares.

Ainda não tinha voltado àquele local. Mas fui até a casa ao lado, de sua filha. Recebi um cartão aonde se lê, junto à sua foto: "Se você pudesse ver e sentir o que eu sinto e vejo nestes horizontes sem fim, nesta luz que tudo alcança e penetra, você jamais choraria por mim. Eu estou em paz". Eu sei que sim, imaginei desta forma. Mas sinto a sua falta. Talvez não tenha mais a chance de lubrificar o portão.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Corromper






Imagem: Cláudio Gontijo/Lassance-MG










A corrupção destrói o caráter e a transparência. Os que se deixam corromper, desfrutam o que nunca lhes pertenceu e vivem o desconforto do vazio. Os que corrompem deixam uma nódoa em sua alma.

Quando abrimos mão da verdade adiamos o inadiável; a própria verdade. Corromper não significa destruir a esperança. No final é exatamente a esperança que permanece viva e a vida, intacta, continua a sua trajetória. Estes que pensam ter ludibriado o tempo, enganam-se, pois mesmo com a escuridão as horas seguem sendo irretocavelmente as mesmas.

É inútil a tentativa de alterar, de forma secreta e falsa, as aspirações legítimas daqueles que nos rodeiam. Ao chegar a noite após o crepúsculo, espera-se por um novo dia. E isto nunca nos será tirado, é realidade imutável.
















Texto: Cláudio Gontijo 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Grato






Já não basta agradecer.
Enquanto envelheço vou lembrar.
Dos irmãos que nunca me serão subtraídos,
da mãe que desejamos guardar longe do tempo e da morte.
Lembro do que ganhei, do que sonhei, do que não fiz, do que nunca serei,do que tenho feito, do que ainda terminarei.
Esqueço o que adiei.
Lembro e rezo, rezo e adormeço.
Acordo e lembro.
Lembro e vivo.
Lembro de quase tudo sem ter que descrever em sofreguidão.
Dos córregos, do cheiro de esterco e das roseiras,
da escuridão silenciosa e ampla na varanda da minha infância,
de onde se tinha poucas imagens e escassos recursos.
Lembro de que nem tinha pressa,
nem conhecimento da urgência no grande relógio ao fim do corredor.
Lembro do que me foi ofertado,
lembro que, então, sorri e segui.
Mas ainda assim dou graças por Ana e Cláudia,
dou graças pelo que ainda posso enxergar.
Dou graças por ter como servir,
dou graças por ter partilhado com os humildes.
Dou graças por ter sobrevivido à caridade dos que se fecham a qualquer aceno.
Dou graças porque pude ver muitos pássaros, flores e rios.
Dou graças pelos que me são necessários e pelos que se acham insubstituíveis.
Dou graças pela fé, pela esperança, pela Graça que ainda teremos.







À Dona Lausina, chamada por Deus, hoje, quando completo 51 anos; de quem nunca esquecerei.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Mimetismo e camuflagem: insetos, pássaros, répteis

Dentro da luta pela sobrevivência que ocorre todos os dias, na verdade a cada segundo, no interior dos ecossistemas, a seleção natural determina o que é fundamental; os mais aptos e melhor adaptados irão perpetuar a sua espécie. A camuflagem e o mimetismo fazem parte de comportamentos adaptativos das populações na luta pela vida. 

1- Camuflagem

A camuflagem é uma característica que o ser vivo adquire, permitindo a ele misturar-se ao ambiente em que vive sem ser notado com facilidade. Desta forma ele pode fugir de predadores ou, como predador, capturar a sua presa. Vários tipos de insetos como mariposas, gafanhotos, formigas, apresentam cores muito semelhantes a troncos de árvores, folhas ou ao território onde vivem, nos quais não poderão ser vistos com facilidade. Alguns tipos de aracnídeos e crustáceos também estão neste grupo.



Uma borboleta confunde-se com o tronco de uma árvore. Imagem: Cláudio Gontijo/Lassance-MG



Durante um longo período evolutivo em uma mesma espécie, por exemplo, aqueles seres vivos que apresentaram cores ou formas que facilitassem alguma forma de camuflagem, eram presas menos identificadas, sobreviviam e repassavam esta característica aos seus descendentes. Formaram-se assim grupos mais aptos às condições daquele ecossistema. Os outros indivíduos menos favorecidos, dentro da variabilidade de cores e formas, eram eliminados.



Muitas espécies de aves também podem camuflar-se junto ao solo. Imagem: Claudio Gontijo/Lassance-MG



Outras espécies como camaleões e peixes apresentam substâncias secretadas por glândulas epidérmicas denominadas cromatóforos. Estes pigmentos fornecem a capacidade de alteração na coloração da pele conforme a necessidade, e uma melhor camuflagem.


2- Mimetismo


Alguns tipos de ofídios não peçonhentos adquirem cores que os assemelham a outras serpentes capazes de inocular o seu veneno. A cobra-coral adquire uma certa coloração (distribuição de anéis) que as tornam muito parecidas com as cobras corais ( ditas verdadeiras) venenosas e muito temidas. Desta forma elas adquirem um determinado tipo de defesa em relação a muitos predadores que chegam a evitá-las. O comportamento deste réptil é o mimetismo.

Espécies afins com grande semelhança; mimetismo. A coral da esquerda não é peçonhenta, ao contrário da figura à direita. Imagem web



No mimetismo um indivíduo possui cores ou formatos que o assemelha a outro ser vivo de espécie afim, apresentando a capacidade de assemelhar-se a outro, confundindo-se com o mesmo. Existem anfíbios (rãs), insetos (abelhas,borboletas), aves e outros tipos de animais que também apresentam este tipo de postura.



O mimetismo entre duas borboletas de espécies diferentes. Imagem: mongabay.com





terça-feira, 4 de novembro de 2014

Histórias do sertão 4: Juca Vaqueiro





Flores do Ingazeiro






Juca Vaqueiro nunca conseguiu nada além de assinar o próprio nome, ele apenas se  satisfazia quando era capaz de copiá-lo sem deixar letra nenhuma que fosse, esquecida, para trás. Assim como campeou cada uma das cabeças do gado ao longo de sua vida, buscou descobrir palavra por palavra. Mas houve dias em que o orvalho das manhãs frias e a boiada solta, não permitiram que ele pudesse esquentar o assento do banco na pequena escola. 


Atento e firme na palavra empenhada, sem fugir de qualquer tipo de empreitada, no cabo da enxada ou na cela de uma mula, como era do seu gosto, ele foi tocando a vida. Desconfiava de tudo muito claro e facilitado, evitava atalhos muito curtos, e Estranhos que falassem em demasia. Temia as ilusões venenosas, embora não recusasse o aperitivo.


Nunca espancou por demais, nem mentiu ou prometeu aos doze filhos algo que seu braço curto não pudesse alcançar. Assim, desse jeito simples e simplório, conseguiu colocar na lida todos eles; alguns partiram para as estradas de asfalto e outros, teimosos, ficaram pelo chão batido. Mas ele se dava por realizado e sentia imensa satisfação pelo fato de todos eles, todos mesmo, poderem escrever e ler sem maiores vexames.


Aqueles que não o conheciam duvidavam de suas proezas, aqueles, da porta da sala, o respeitavam. E haviam os que o odiavam. E todos esses viram, quando puderam ver, que o tempo passou, e o Juca foi se fragilizando pelas asperezas do sertão, da velhice, das estiagens duras. Poucos desvios e boas escolhas fizeram dele um exemplo a ser retido, uma amizade rara. 


Ele viveu muitos anos e dizia que o prêmio veio de Deus.  Até que foi encontrado caído junto a um Ingazeiro, quase na margem do rio. Adiante do corpo o copo esmaltado, onde carregava o café quente; hábito antigo. Um dos amigos da cidade, vereador em muitos mandatos, pediu que o deixassem presenteá-lo com a sua última morada. Na lápide escreveu o que Juca repetia sempre:  

"Prá quem não conhece a estrada que deve de seguir, qualquer caminho serve, qualquer trilho é caminho".