Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Grato


Agradeço por continuar a minha jornada. Então, recoloco esta reflexão:


"Já não basta agradecer.
Enquanto envelheço vou lembrar.
Dos irmãos que nunca me serão subtraídos,
da mãe que desejamos guardar longe do tempo e da morte.
Lembro do que ganhei, do que sonhei, do que não fiz, do que nunca serei,do que tenho feito, do que ainda terminarei.
Esqueço o que adiei.
Lembro e rezo, rezo e adormeço.
Acordo e lembro.
Lembro e vivo.
Lembro de quase tudo sem ter que descrever em sofreguidão.
Dos córregos, do cheiro de esterco e das roseiras,
da escuridão silenciosa e ampla na varanda da minha infância,
de onde se tinha poucas imagens e escassos recursos.
Lembro de que nem tinha pressa,
nem conhecimento da urgência no grande relógio ao fim do corredor.
Lembro do que me foi ofertado,
lembro que, então, sorri e segui.
Mas ainda assim dou graças por Ana e Cláudia,
dou graças pelo que ainda posso enxergar.
Dou graças por ter como servir,
dou graças por ter partilhado com os humildes.
Dou graças por ter sobrevivido à caridade dos que se fecham a qualquer aceno.
Dou graças porque pude ver muitos pássaros, flores e rios.
Dou graças pelos que me são necessários e pelos que se acham insubstituíveis.
Dou graças pela fé, pela esperança, pela Graça que ainda teremos".

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Árvores


Imagem: Cláudio Gontijo




Alguns minutos de reflexão em meio ao arvoredo que se deixa movimentar pelo vento, nos daria algumas poucas certezas, mas suficientes para muitas das nossas aflições. Uma daquelas copas, cujas folhas crescem em profusão, já foi um minúsculo e imperceptível grão, uma semente. De forma lenta, muito lenta, ao longo de muitos anos, a sua transformação, após germinar do solo, foi se realizando sem que quase ninguém percebesse. Quando pensamos em muitos anos, melhor seria imaginar que foram milhares de dias e dias, períodos chuvosos e tempos de seca implacável. Esta realização vegetal, porém, nunca deixou de ser progressiva.

Quem já teve a chance e a felicidade de plantar uma árvore, observou como o tempo paciente e sábio, foi edificando o tronco, galhos, folhas. Observou que o tempo trouxe flores. Que o tempo trouxe exuberância, sombra para um dia de sol forte. Se foi capaz de confrontar aquela árvore formada com a imagem, guardada em alguma foto ou banco de dados de um computador, com o minúsculo arbusto que ali já se manteve, pode se surpreender com a força construtiva do tempo.

Nada grandioso e essencial à nossa existência se constrói de maneira imediatista, do dia para a noite, ao sabor do capricho que não deseja a espera. O tempo da criação é imperceptível aos que correm de forma vertiginosa. Há algo de sagrado na espera, há algo de abençoado na simplicidade com a qual a natureza evolui. Evoluímos também assim. Juntando os pequenos grãos, preparando sabiamente a terra, esperando pela vida que germina, em nossos filhos, em nossos projetos, em nossas orações, em nossa fé.

Ah, se soubéssemos com exatidão a fórmula que permite edificar com paciência, seríamos muito mais cheios de gratidão e certeza. Se soubéssemos toda a verdade do que o tempo pode nos trazer, com seu silêncio e leveza, pararíamos mais para dar graças, para glorificar. Se esperássemos com mais calma pelas noites de ventos amenos, vazias de sons, perfumadas pelas flores, teríamos o sono mais reparador. Teríamos mais certeza de que tudo aquilo que plantamos por escolhas sábias e altruístas, um dia estampará diante de nós a beleza de uma grande e forte árvore, em sua majestosa trajetória de vida adulta.