Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Vasto tempo



As mãos ásperas que não foram estendidas,
perdidas,
são aquelas que desejamos ter tocado.
Um toque ao longo do tempo vasto,
em meio a tantas chances que se foram, sem propósito qualquer que fosse.
Um afago sem preparo, desavergonhado, mas de delicadeza quase infantil.
Um afago decidido,
qualquer afago que pudesse ser.

As horas foram indo e as mãos ainda clamaram,
ainda gritaram,
mostraram-se em feridas de descaso,
foram limpas por água, esperança,
e tinham cicatrizes,
e tremiam,
e movimentavam-se na escuridão.
Tateavam à espera de qualquer sinal,
de qualquer um que se aventurasse,
de qualquer um que se apresentasse.

E não que a luz do dia tenha tardado,
mas não há nada que não seja moldado,
gasto,
envelhecido.
Como as pedras que são corroídas.
Assim as mãos perderam a cor, o calor, a vida.
Só a memória pôde carregar essas imagens.
Testemunhas de todas as outras, necessitadas de um olhar.
Talvez um único olhar.



quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Bagagem





O que levamos conosco em nossa jornada?  A preocupação com o nosso corpo físico? Nossos apetrechos materiais tecnológicos de utilidade duvidosa?  A necessidade de sermos o centro de qualquer evento, de sermos notados, de sermos reverenciados? A necessidade de que nossas idéias, mesmo aquelas que brotam da insensatez, sejam aceitas? Deixamos de lado a indiferença? Transportamos verdadeiramente a caridade?

Nossa presença, quando é inoportuna e desumana, não acrescenta. Não seremos capazes de nos fazer escutar se não tivermos a postura de ouvir com atenção. Não somos imprescindíveis, insubstituíveis. 

Ainda que nosso egoísmo e vaidade nos levem ao profundo vazio, teremos que ser portadores de qualquer boa notícia; pela grandeza do que recebemos todos os dias.  Em determinado momento de nossa existência iremos nos deparar com a necessidade de seguirmos mais leves, menos ansiosos, menos apreensivos e constrangidos. 

As multidões que se encontram à margem do tempo, esfoladas pelo abandono, desejam tocar o Sagrado que existe em nós. Desejam ser reconhecidas e acolhidas como seres da Criação.

Muitos necessitam de nós. Necessitam do nosso melhor abraço, da palavra  que reanima, do amor acessível.  Não desejam nossas máscaras, desejam nosso olhar cheio de alegria. Não desejam os nossos ásperos objetos, desejam o que guardamos de melhor.



"Não levem nem ouro, nem prata, nem cobre em seus cintos; não levem nenhum saco de viagem, nem túnica extra, nem sandálias, nem bordão; pois o trabalhador é digno do seu sustento". Mateus capítulo 10, versículos 9 e 10.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Calúnia






A calúnia é a tentativa de apagar o que não se pode construir. Estes estão fragilizados, distantes da dignidade. É assim que criam as suas próprias lutas fantasmagóricas.  Apressados e incapazes, não visualizam os benefícios da boa vontade. Uma armadura de rancor é o que resta para ser arrastado em uma jornada penosa e ilusória.

O silêncio e a reflexão, a coragem e a constância, a esperança e a fé,  edificam em torno destes exércitos de dúvida e indiferença, momentos de piedade. A misericórdia do Criador e a tolerância resgatará estes seres escravizados, os chamará à plenitude, e os tornará construtores.

Não podemos pensar em uma caminhada evolutiva, sem levarmos conosco a reflexão a cerca destes que muitas vezes nos entristeceram. Afinal somos todos filhos de uma única e sagrada Criação. Não há como se conceber a comunhão e a paz, quando somos indiferentes aos que se encontram sem qualquer eixo, perdidos pela ira e a maledicência. Não há como enxergar a nossa própria jornada com clareza, se não tivermos a esperança da purificação dos que se distanciam da verdade. O tempo se encarregará de moldar qualquer divergência humana, como o faz até mesmo com as rochas.