Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

sábado, 28 de junho de 2014

A Coruja e o João-de-Barro

Há algum tempo atrás registrei a imagem de um casal de João-de-barro. Os dois pássaros haviam construído seu ninho com terra molhada e capim, para a reprodução; a chamada casa do João-de-barro.  A árvore, um Tamboril, não resistiu ao tempo e já não existe mais.



 O casal de João-de-barro. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG
                                   



Mais um período depois e ouvi sons estranhos que vinham exatamente do ponto onde as aves haviam mantido a sua prole. Eram piados repetitivos, numa sequência quase hipnótica. Já era noite alta, escura, de lua crescente. Fui até a árvore, a poucos metros da varanda e foquei a lanterna na casa de barro. Tive uma surpresa. Na pequena porta de entrada uma outra ave se mostrava. Não era quem deveria estar ali.

Disparei a máquina, buscando o foco no clarão efetuado pela lanterna. Ainda surpreso, lembrei-me de que o João-de-barro não costuma reutilizar o seu ninho. Sua opção natural é pela partilha. Enquanto seus ninhos resistem às intempéries, podem ser utilizados por outras espécies de pássaros.

Mas o que fazia ali uma Coruja-do-Campo?  Ave de rapina, que costuma arquitetar seu ninho em buracos no chão, por isso são também chamadas de Corujas-buraqueiras. A figura estava lá, estática, à entrada do ninho. Parecia uma rolha, obstruindo a porta da casinha de barro.




Na mesma casa, à noite, a coruja na porta de entrada. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



A ave predadora teria invadido o ninho de outra espécie em busca de pequenos ovos e filhotes ? Ou estaria naquele local para a reprodução ?

Quando lembro-me daquela Coruja em seu estranho ninho, a partilha é um dos pensamentos que me ocorrem. Nestas várias reflexões, fica também a vontade de rever amigos distantes. Muitos deles de temperamentos difusos. Mas de muitas histórias comuns, de trocas, barganhas e alegria. Personagens de encontros e desencontros, como aqueles pássaros, espécies diferentes, de hábitos alimentares contrários, mas de histórias afins, propiciadas pela necessidade de sobrevivência, na grande comunhão ecossistêmica.


É que a proximidade e a convivência são pilares que vão solidificando os valores de toda uma existência. Uma vida em comum que modifica e edifica, que apara as diferenças e promove o crescimento. Uma jornada que se torna mais rica, para afastar o vazio e as arestas, para promover a vida plena e verdadeira. A exemplo da Coruja e do João-de-barro. Tão diferentes, mas tão próximos.

sábado, 21 de junho de 2014

O Socozinho

Na margem de uma lagoa, represa ou rio observa-se uma ave imóvel durante um longo período de tempo. De repente ela avança para a água e captura a sua presa. O Socozinho (Butorides striata) alimenta-se de insetos, moluscos, larvas, peixes, anfíbios e répteis. 



O Socozinho à espera do seu alimento. Imagem: Cláudio J Gontijo/Sete Lagoas-MG





O pequeno Socó habita sempre as proximidades de regiões onde haja água em maior quantidade. Não é muito fácil aproximar-se dele. Quando a ave percebe alguma aproximação permanece estática como se fosse um toco, até que emite uma espécie de assovio e voa. 

Esta espécie constrói seu ninho próximo a um curso d'água, em árvores de médio porte e arbustos nos brejos. Dois ou três ovos de cor esverdeada são depositados, em média. A fêmea cuida do local de nidificação de forma solitária, até que os ovos eclodem em aproximadamente quatro semanas (26 dias). Em mais trinta dias os filhotes deixam o local. 

Estas aves distribuem-se por quase todo o Brasil e em outras regiões de clima quente: África, Ásia e Austrália.











sexta-feira, 13 de junho de 2014

Histórias do sertão 2: Catarina Labouré

Numa parte periférica da cidade mora um casal de idosos. Já viveram muito, mais de sete décadas. Foram tempos cheios de privações, muita labuta. As mãos ficaram grosseiras e a pele curtida pelo sol. Ela teve filhos, trabalhou muito tempo numa carvoaria, e só conseguiu fazer com que um deles sobrevivesse. Não sei muito dele. Ambos perderam seus companheiros do primeiro casamento. Viúvos, conheceram-se e resolveram se unir já sexagenários. Ela vestiu-se de noiva, foi maquiada e levada até a porta da igreja por um carro. Ele vestiu terno, gravata e aparou bem o cabelo. Entraram na igreja decorada, ganharam caixas de cerveja e refrigerantes para a festa, uniram-se em novo matrimônio.

Algum tempo já se passou. Com o dinheiro curto do que recebe, ela conseguiu construir a casa onde moram. Alpendre, banheiro azulejado, quartos pequenos e dignos, uma pequena televisão de plasma, um interfone usado na entrada. Ele vendeu a casa muito simples onde morava, dividiu uma parte do pouco que arrecadou com os filhos da primeira união. É quase certo que utilizou o que sobrou para ajudar na mobília do novo lar. 








Eles estão sós nesta pequena casa. Os filhos, poucos, tomaram seu rumo. O casal é feliz. Vivem da aposentadoria do sindicato rural e agradecem pelo que conseguiram. Vivem também da sua devoção profunda aos santos e da fé fortificada.

Há alguns meses atrás Dona Maria foi atropelada enquanto voltava de uma reza. Segundo ela, pelas suas orações, não fraturou um único osso. Apenas o braço continua preso numa tipoia. As dores a incomodam. As articulações que movimentam a clavícula direita demoram para se recompor e ela tem lamentado muito. Reclama por não poder ir, como quer, à igreja. Reclama por não poder varrer, como gosta, a casa. O senhor José a ouve com atenção e respeito, seus olhos revelam compreensão. Ele mesmo tem carregado com dificuldade uma hérnia mal curada. Os exames do posto de saúde já venceram, a cirurgia do SUS não veio e, agora, novos preparatórios precisarão ser feitos.

Um dia destes Dona Maria foi até o seu quarto e me chamou. Mostrou-me a Bíblia bem arranjada e suas várias imagens. Retirou da gaveta um pequeno livro. Era a história de Catarina Labouré; a Santa francesa. Me deu de presente para que eu lesse. Ela não podia fazê-lo, por não ter aprendido. O seu companheiro possui pouca leitura, mas é ele quem lê as inúmeras orações que eles recebem pelo correio, fruto das pequenas contribuições que fazem a algumas instituições.





À Dona Chiquinha.

sábado, 7 de junho de 2014

Educar para preservar

Evoluindo a partir de meados do século passado, a escola nova descentralizou a transmissão de conteúdos e propôs uma nova metodologia, baseada em temas contextualizados e na participação efetiva do aluno no processo de ensino-aprendizagem. O professor deixou de ser, exclusivamente, o detentor do conhecimento, para assumir a figura de mediador e promotor do debate, que se forma em função dos questionamentos lançados. Esta é a realidade estampada nas salas de aula, no momento em que surge a necessidade, inadiável, do aprimoramento da Educação Ambiental.



A sobrevivência dos rios passa pela educação ambiental. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



O meio ambiente em degradação, o esgotamento dos recursos naturais, as modificações climáticas, criam a preocupação generalizada com os rumos dos ecossistemas, ao mesmo tempo em que depositam a esperança de transformações benéficas, ancoradas na formação de uma nova geração, mais consciente, crítica e com possibilidades transformadoras.

A Educação Ambiental parece ser uma tarefa ampla e complexa. É responsabilidade de toda a comunidade, não só dos professores. Neste contexto a escola não é uma ilha dentro do processo de ensino-aprendizagem. Os bons exemplos de preservação da fauna e flora, a reciclagem de materiais e a recomposição de áreas degradadas devem vir de todos e, necessariamente, trabalhados com os alunos. As atividades de campo, práticas, a interatividade, as relações interpessoais, são fundamentais para a boa assimilação dos jovens.

Mas, infelizmente, não basta somente uma ação focalizada no ensino escolar. É provável que construiremos pouco, se não experimentarmos uma mudança de postura que alcance os meios de produção e a sociedade como um todo. 

O aprendiz maior das escolas não encontra apenas o conteúdo da grade curricular. Atualmente vive mergulhado em um ambiente que lhe proporciona múltiplas informações. Portanto é importante e fundamental que avancemos todos; pais, administradores, professores, terapeutas, operários, na busca pela criação desta nova perspectiva.

As ações se tornarão ainda mais promissoras a partir da obrigatoriedade da disciplina Educação Ambiental no conteúdo programático das escolas e de descontos tributários para as empresas que, comprovadamente, manterem projetos educacionais de meio ambiente.