Imagens: Garça-branca-grande (Ardea alba), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)/Cláudio Gontijo

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Véu Negro




Quando o véu negro cai sobre o nosso olhar,
e nem sabemos,
se vamos experimentar a chuva,
ou ter a grama sob nossos pés,
ou se poderemos continuar,
iremos rir de nós mesmos,
da jornada confusa,
difusa,
quando parecemos pequeninos,
meninos,
no meio do caminho.









E então,
saberemos da sede,
que nem notamos,
e que carregamos,
quando vivemos,
abraçamos,
tocamos.

Respiramos.
Ávidos,
na busca que construímos,
sem bússola

sem fim,
pela  vasta,
bela,

existência,
assim.







Texto e imagens: Cláudio J Gontijo

sábado, 21 de setembro de 2013

Alma-de-Gato

O nome estranho pode ser uma alusão ao seu canto, semelhante ao gemido de um gato, ou ao fato de se locomover entre árvores de folhagem densa sem ser notado. A tarefa não deve ser das mais fáceis devido à sua cauda longa, difícil de não ser notada quando avistamos este pássaro na mata. 




A longa cauda da Alma-de-gato. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





De plumagem com uma cor amarronzada, ferrugem, o que a Alma-de-gato (Piaya Cayana) procura são os insetos, seu alimento predileto. Mas eventualmente esta ave invade ninhos para devorar ovos e alimenta-se de pequenos anfíbios, frutas.





Não é comum observar esta espécie pousada no chão. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





A fêmea e o macho irão se revesar no cuidado com os filhotes. Em média, seis ovos serão depositados no ninho. Em duas semanas os filhotes saem dos ovos e ficarão mais 20 dias sob os cuidados do casal, até poderem voar.

O habitat desta espécie são as matas ciliares e capoeiras, principalmente. Ocorrem em quase toda a America Latina; nas regiões sul e sudeste do Brasil, com mais frequência. A destruição da Mata Atlântica afetou as suas populações.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Velhas e a sua Velha História

Eu conheci o norte de Minas há 34 anos atrás. Vim com um tio e tive, então, o primeiro contato com o Rio das Velhas. Não desejo narrar em detalhes tudo o que presenciei naquele tempo, nos anos que se seguiram, na década de 80. Posso dizer que eram tempos de fartura às margens do rio. A luz do lampião, os pássaros noturnos, as águas barrentas das cheias, o silêncio entrecortado pelas conversas saborosas, os moradores (poucos e sinceros) me impressionaram. Voltei muitas outras vezes, muitos daqueles se foram; encantei-me pelo sertão e pela minha esposa. Eu fiquei.




Numa manhã fria, o Velhas parece dormir em paz. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG


O inverno, o rio e a Serra do Cabral. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





Com o tempo o Velhas entrou em lenta agonia. Muitos dos barranqueiros e moradores do "Lavado" partiram, juntamente com meu pai. As águas do rio vieram trazendo mais sujeira. A luz elétrica chegou às margens, a população aumentou, os turistas aumentaram, o esgoto doméstico e industrial já não pôde mais ser diluído. As chuvas escassearam, os córregos passaram a alimentar mal o rio. 


O rio assoreado ainda insiste em estampar a sua beleza. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



Ao longo das décadas seguintes muitos peixes morreram. O Pirá, O Surubim, o Mandi Amarelo, a Corvina, o Dourado, foram descendo o rio, sem oxigênio, numa dança desesperada, para morrer nas margens presos às coivaras, na imundície e podridão funesta.

Nitrogênio, Fósforo, Enxofre, dos esgotos, dos fertilizantes agrícolas, provocam, hoje, uma crescente eutrofização. A palavra esquisita indica que há na água grande quantidade de matéria orgânica. O ambiente se altera drasticamente. Com o excesso de nutrientes as algas proliferam em grande velocidade. A água verde, impede que a luz solar chegue aos outros organismos fotossintetizantes, sem a fotossíntese não há reposição do oxigênio consumido pelas bactérias, que também se multiplicam de forma alucinada. Com a alteração do ecossistema, muitas espécies somem da cadeia alimentar e todos os outros seres vivos dependentes desta teia ficam com suas populações reduzidas até desaparecerem também.

As maiores cidades poluidoras do Velhas, localizadas na Grande BH, construíram duas ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) de relativa eficiência; a Estação do Onça e Estação de Sabará, capazes de tratar a maior parte dos detritos do Ribeirão Arrudas e Onça, os campeões da poluição. Mas as inúmeras cidades localizadas na calha do rio ainda estão com os projetos de edificação destas estações em atraso.




O verde das algas denuncia a eutrofização. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG




Fugi de um texto de caráter científico, puramente. Porque embora a realidade só possa ser esmiuçada através de descrições químicas e biológicas, eu gostaria de deixar a esperança. De que o rio possa sobreviver. De que as Estações de Tratamento de Esgoto proliferem, assim como as algas vieram, nas cidades ribeirinhas. De que as escolas ensinem cada vez mais, promovendo a educação ambiental. De que, no futuro, o Velhas seja profundamente respeitado. De que a vida volte a pulsar em seu leito.

As águas não estão muito favoráveis ao peixe, mas a Garça-branca, intuitivamente, passeia na pequena praia. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



sábado, 14 de setembro de 2013

João-de-Barro

Quando se nota um pássaro de penas pardas batendo freneticamente as suas asas e emitindo um canto estridente, caminhando pelo chão, logo é possível reconhecer a figura simpática do João-de-barro (Furnarius rufus). Ele caminha à procura de larvas, insetos e sementes, seus alimentos prediletos. Não se acanha em aproximar-se das pessoas.





O João-de-barro na sua caminhada habitual. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG



Um casal de João-de-barro trabalha a terra molhada, misturando-a a pequenos ramos secos, palha, que vão dar consistência ao seu ninho. Esta massa pode ser modelada pelo bico e manuseada também com os pés. A casinha é construída nos mais diversos lugares, geralmente é comum nos galhos das árvores. Macho e fêmea vão se revesar na construção deste ninho, onde serão depositados quatro ovos, em média, a cada três vezes no ano. Em duas semanas os ovos eclodem e os filhotes serão capazes de voar em 20 a 30 dias.


Revesamento do casal em torno do ninho. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG

O casal de João-de-barro. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





Este pássaro não possui o hábito de reutilizar seu ninho. A cado período reprodutivo uma nova empreitada é executada. As moradas antigas vão sendo usadas por outras espécies de pássaros e até mesmo lagartos ou pequenas cobras. Outro detalhe interessante sobre a casinha é que ela possui dois "cômodos" distintos; a entrada e um outro mais ao fundo onde são depositados os ovos. A entrada é construída de forma estratégica, contrária à posição das rajadas de vento mais comuns na região.


O João-de-barro habita as regiões sul, sudeste e centro-oeste, e outros países como a Argentina, Bolívia, Paraguai. Prefere os campos de árvores esparsas e o cerrado.






terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Caminho

Estou voltando prá casa.

Talvez tenha andado pouco,

mas os rastros não são ilusórios.

Volto como quem retorna;

sem máscaras,

sem luvas,

sem métodos.


Lavadeira-Mascarada





Não calculei a jornada,

e se sinto dores, rancores,

não vou deixar o caminho.

Ao mover-me faço escolhas,

abdico sem diminuir o ritmo.


Maritaca



Preciso avisar que,

as tarefas que experimentei,

não tornaram rudes os meus passos.

Pouco me importa,

se já cheguei a perder a razão,

pois sei que modifiquei muitas trilhas.




Bem-te-vi




Estou de volta,

e sou o que sou.

Estou rumando prá onde posso ficar,

onde continuo a me libertar.

Estou a um passo de lá.











Texto e imagens: Cláudio J Gontijo
.



sábado, 7 de setembro de 2013

Histórias do Sertão 1: Tonho

Eu o conheci há muitos anos atrás. Na ocasião acalentava o sonho de possuir morada, simples que fosse, às margens do rio. Grande parte daquelas terras eram isoladas, sem energia elétrica ou estradas que facilitassem o acesso; mas os proprietários não eram simpáticos quando o assunto beirava a compra de qualquer parte delas. Dificultava o fato de eu não dispor da quantia suficiente para os negócios.

Acabei adquirindo um minúsculo lote de terras. O dinheiro só foi suficiente para um terreno acidentado, ainda assim fiquei satisfeito. Mesmo ciente da impossibilidade de qualquer construção que fosse naquele barranco, muito próximo do Rio. Foi quando tive a primeira prosa com o Tonho; um mulato de cabelo brancos, olhar firme, curioso, sorriso tímido, mas sincero.





Do outro lado do Rio a serra e a árvore. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG





Aquele pequeno naco de terras estava encravado na sua propriedade, embora já não fosse mais dele. E aí, quando o assunto pendeu para a edificação, ele se prontificou e me cedeu, de seu terreno, espaço suficiente para que atingíssemos um platô, pronto para um bom alicerce. Ali iniciava uma amizade das boas. E muitas combinações, trocas, barganhas. De maneira que ao longo de alguns anos a chácara se alargou e nossa amizade também. Uma das alegrias era quando me chamava da cerca para tratar de qualquer outro conchavo. Era seu costume passar pelo fios de arame e espalhar a sua boa presença. Nunca executamos qualquer acordo que pendesse, na balança, para um ou outro; sempre deixamos tudo com vantagens para todos os lados.





A casa construída em um platô, um dia cedido pelo Tonho. Imagem: Cláudio J Gontijo/Lassance-MG






Um dia ocorreu o que não estava combinado. Um momento ruim, onde o cansaço produziu a discórdia e fui impaciente.  Naquele tempo eu percorria mais de 200 quilômetros da cidade grande até a margem do rio. Não pude compreendê-lo, não me veio a tolerância ao seus hábitos, métodos e simplicidade. Ele seguiu para sua casinha alguns metros margem a cima e não retornou. Embora eu tenha tido inspiração para a retratação ligeira, a distância se formou e, no sertão, certas diferenças não se aparam com facilidade.

O anos foram se passando e o Tonho ficou mais fragilizado. A idade e o tempo que ele transpôs como trabalhador braçal, as agruras, o seu coração, o deixaram com a disposição diminuída. O sorriso ficou mais escasso e eu já não o via próximo ao rio. Passou a perambular por mais tempo na pequena cidade, onde tem casa e filhos. Seus planejamentos também foram se alterando. Vendeu uma parte da terra, reformou a casa da cidade. Colocou porta larga, de ferro, pintou com boa tinta, mandou que colocassem bons pisos, azulejos, comprou uma poltrona nova.

Com mais uma gleba de terra vendida (não sobrou muito) ele adquiriu um automóvel novo, artigo de luxo. Seu porto para o rio diminuiu, e ele quase já não visita o que sobrou da propriedade. Não tive outra oportunidade de falar sobre cercas, árvores, peixes, hortas, abelhas, cobras, ou de poder demonstrar o meu respeito e admiração, crescidos, fortificados. Só pude ouvir, recentemente, que o seu desejo é vender tudo o que restou da margem do rio. Felizmente ainda posso cumprimentá-lo nas ruas da pequena cidade. Sua expressão não é a mesma, mas a alegria e a fé continuam intactos.

Há alguns dias avistei uma árvore bem no topo da serra, talvez um Angico Branco ou uma Sucupira. Sua imagem é imponente vista da margem oposta do rio, mesmo à grande distância. Lembrei-me de que um dia ele a apontou em nossas conversas. Lembrei-me de que, ali, já falamos de muitas coisas. De quase tudo.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Tatu e a Caça

Durante a minha infância e ao longo dos anos já ouvi muitas conversas, combinações, realizadas entre caçadores, no preparo para as excursões noturnas objetivando a captura de tatus. Gaiolas construídas por grossos arames e enxadões eram os utensílios básicos para a empreitada, sem esquecer os pequenos e espertos cães "especializados", para a caça. Os cães cuidavam de localizar a presa que penetrava rapidamente em buracos. As gaiolas, então, eram colocadas na entrada da toca para interceptar a saída dos bichinhos, que eram induzidos pelos golpes do enxadão na terra e latidos, a deixarem o local de sua proteção.




Animais silvestres apreendidos. Ao centro uma gaiola utilizada na caça aos tatus. Imagem web/Polícia Militar-MG




Há poucos anos atrás, ouvi outro relato. Caçadores mais espertos utilizavam-se de um recurso mais eficiente. Munidos de uma pequena lata (destas que armazenam leite em pó) contendo em seu interior uma isca, iguaria apreciada pelo tatu, espalhavam estes apetrechos por vários pontos do cerrado, dos campos de cultivo e margens de matas. Locais habitados pelo mamífero. Seu focinho ficava preso à armadilha e ao amanhecer do dia eram encontrados já quase mortos, prontos para serem preparados e devorados em uma receita qualquer recheada de temperos.




Um filhote de Tatu peba. Imagem: Cláudio J Gontijo/Norte de Minas




Destas formas variadas estas espécies foram sendo dizimadas, aliadas à destruição do cerrado, seu principal habitat. O fato é que atualmente eles sumiram de muitas regiões. Suas tocas características de aproximadamente dois metros de profundidade já não são vistas com tanta frequência.


O Tatu peba

Todas as espécies são originárias das Américas. A espécie mais comum encontrada no sertão do norte de Minas é o Tatu peba (Euphractus sexcintus). Ele possui uma alimentação herbívora e carnívora, ao mesmo tempo. Dizemos então que é um ser onívoro, devorando insetos, raízes, grãos, restos de animais mortos. Diz a lenda que faz excursões aos cemitérios para se alimentar de cadáveres. Apresenta hábitos noturnos e sempre locomove-se solitário. Em reprodução o período de gestação da fêmea dura cerca de dois meses. Os filhotes recebem os cuidados da mãe por poucos dias e vão atingir a maturidade aos nove meses. Eles podem sobreviver por quase duas décadas fora do cativeiro. É necessário salientar o importante papel dos tatus no ecossistema em relação ao controle das populações de insetos e também como dispersores de sementes.



Proibições

A caça aos Tatus é proibida pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e fiscalizada diretamente pelo Polícia Ambiental. A apreensão de exemplares junto a caçadores é passível de penas de reclusão que variam de seis meses a um ano de detenção e multas que podem chegar a  R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por unidade apreendida. As denuncias podem ser feitas no telefone 0800618080 (linha verde/IBAMA).